segunda-feira, 23 de maio de 2011

Admirável Mundo Atual 3 por Cristóvam Buarque

BENS COMUNS

uma das características da primeira fase da modernidade-técnica foi o acesso das massas aos bens característicos da aristrocacia; com a apartação, surge novamente uma segregação do consumo. Gradualmente os bens de consumo vão se separando entre os bens dos incluídos e os bens dos excluídos. A água, que sempre foi um bem comum, passou a separar-se entre água contaminada e água engarrafada o transporte separou-se entre o automóvel privado e o ônibus coletivo; até mesmo o ar ficou partido, pois se separou o ar condicionado dos shoppings centers e dos carros do quase irrespirável ar dos centros das cidades entregues aos pobres.

AR PARTADO

Um habitante do primeiro mundo internacional dos ricos pode viver e viajar sem respirar o ar natural do mundo dos pobres e sempre na mesma temperatura, qualquer que seja a latitude geográfica e a estação do ano. Os ricos conseguem ir e vir levando o próprio ar protegido e isolado no ambiente fechado desde sua casa, através de carro ou avião, até o seu destino: o shopping center, o aeroporto, o escritório, o consultório médico, o cinema. E essa não é a única utilização do ar condicionado. Na sociedade com apartação, o ar partado dos carros serve menos para refrescar o calor, do que para proteger os passageiros e separá-los dos habitantes da rua por onde o veículo passa. 

ÁGUA ENGARRAFADA

Em vez de oferecer água limpa a todos os habitantes, o sistema de apartação preferiu resolver o problema dos incluídos, deixando os excluídos abandonados à água contaminada. Os ricos resolveram o problema da água contaminada mediante a implantação de um caríssimo sistema de produção e transporte de água engarrafada, distribuída ao longo de todo o território nacional apenas para os que podem comprá-la. Com o argumento da escassez de recursos, não são construídos sistemas de saneamento, mas não faltam recursos para a industrialização e o transporte de água engarrafada. Graças à globalização, os incluídos da modernidade podem importar  água produzida e engarrafada a milhares de quilômetros de distância. Estima-se que no Brasil os ricos e as classes médias gastam R$ 9 bilhões por ano com a compra de água potável, em poucos anos, enquanto com muito menos seria possível assegurar água potável e saneamento em todas as casas do país. A absurda lógica de gastar recursos vultuosos no transporte de água engarrafada, no lugar de investimentos em sistemas públicos de água potável, é um dos mais fortes exemplos de uma sociedade perversa eticamente e burra tecnicamente por não levar em conta o custo da omissão.


Leia os anteriores da série aqui:
 http://usinavirtualunb.blogspot.com/2011/02/admiravel-mundo-atual-2-por-cristovam.html

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